Saudações aos amigos do Redblog! Continuando hoje com a série Eu, Monstro teremos uma criatura que pode ser considerado um familiar bizarro para o mago. Um Homúnculo! Vejamos as desventuras dessa pequena criatura no micro-conto de hoje. Espero que gostem!
Adorei o sabor desse rato. Muito agradável para mim. Não para o mestre. Com certeza não para ele. O mestre prefere aquelas galinhas cheias de penas. E ainda prefere que elas estejam assadas ou cozidas. Eu não entendo muito bem isso. Por que perder tempo passando a carne no fogo, sendo que ela é gostosa de qualquer maneira?
De qualquer maneira, vou prosseguir com a missão. Sinto que meu objetivo está próximo. Não acredito que alguém da cidade, fora o mestre, saiba da existência dessa cripta embaixo da grande catedral. Seus corredores estão infestados de ratos. E alguns mortos-vivos também. Os sem-vida sempre me preocuparam, mas o mestre conjurou feitiços de proteção em mim para esta missão, então parece que eles não conseguem me ver. Estou um pouco cansado de voar, então vou caminhando por esses corredores e câmaras. Tudo parece muito antigo. O mestre sabe que a cripta foi construídas junto com a grande catedral, e que o acesso a ela foi lacrado há pelo menos 300 anos. Boatos da época sugerem que algo igualmente poderoso e perigoso surgiu aqui. E portanto os líderes da cidade na época resolveram extirpar da memória da cidade a existência da cripta.
Preciso localizar onde tal entidade ou evento se encontra, para que o mestre possa continuar com seu plano. Me sinto muito contente em poder ajudar o mestre a se tornar cada vez mais poderoso. Porém sinto que essa pode ser minha última missão. O número de mortos-vivos aumentou consideravelmente conforme eu me dirigia para o lado sudeste da cripta. Aqui no terceiro nível, estão os túmulos de homens poderosos. Cardeais, patriarcas, líderes supremos. Existem indícios de que alguns santos foram enterrados aqui também. Meu mestre daria seu braço esquerdo pelo osso de um homem santo. Literalmente! Mas não tenho tempo para buscar tais relíquias.
Em uma tumba, particularmente tomada por mortos-vivos, percebi um certo brilho azul no canto, debaixo de um incensário e pedras quebradas. Começo a bater minhas asas e voar. Passo por cima da maioria dos mortos-vivos para me aproximar daquela luminosidade, quando percebo que um deles está olhando fixamente para mim. Sem nenhuma roupa em seu corpo. É um Inumano. E parece ser mais inteligente do que deveria. Entendo então que ele está guardando o que estou buscando. Quando me aproximo mais um pouco do brilho, o Inumano mostra seus dentes de maneira ameaçadora. Não tenho opção senão confrontar a criatura.
Me aproximo pelo alto e faço gestos ameaçadores. Ele tenta me alcançar pulando, mas eu consigo me esquivar. Faço ele me seguir pela sala, até uma parede oposta àquela de onde sai o brilho azul. Conforme me aproximo da parede, vou provocando-o, fazendo com que fique mais selvagem. Sinto que o mestre está muito satisfeito com minha estratégia. A parede está fraca, e pode desabar a qualquer momento. E eu fico muito próximo a ela, planando e atraindo o Inumano. Ele para, me olha com raiva, e então dá um bote. Consigo com muito esforço sair da frente dele, enquanto ele bate sua cabeça com força na parede. O impacto foi o que faltava para a parede cair em cima do Inumano, o soterrando parcialmente. Talvez ele não tenha morrido, mas está impossibilitado de me ameaçar nesse momento. Os outros mortos-vivos da sala se aproximam dele, curiosos com o alto barulho da queda da parede.
Uma vez que a ameaça foi neutralizada, me aproximo do brilho azul. Coloco o incensário e as pedras de lado. O que vejo ao remover a última das pedras é apenas um topázio, que brilha intensamente, sobre um pedaço de couro velho. Ver aquela pedra me fascina. O mestre também parece fascinado. Estico minha mão para tocar aquela pequena rocha. Mas não consigo. Parece que algo me impede de fazer isso. Forço um pouco mais e continuo não conseguindo. De repente me sinto sozinho. Como se o mestre não estivesse comigo. Isso me preocupa, mas surpreendentemente não fico triste como acreditei que ficaria. Algo está suprindo a ausência do mestre. Algo que é diferente e estranho. Acho que tem a ver com o topázio. Ele brilha mais intensamente agora. Mas não consigo desviar os olhos, apesar do incômodo causado. Consigo perceber agora uma runa gravada na superfície da pedra preciosa. A falta do meu vínculo com o mestre me impede de saber o que aquela runa significa ou representa.
Tento novamente tocar a pedra preciosa. Dessa vez o impedimento não me obstrui e eu consigo encostar no topázio. Parece que estou tocando uma pedra de gelo, mas ao mesmo tempo parece que é sua superfície é como um rio correndo intensamente. Sinto algo em meu interior, mas não sei dizer o que é. Parece como se o mestre estivesse em contato comigo, mas dentro de mim. Seguro a joia na minha mão, mas fico ali parado, por mais que o toque com ela seja incômodo. O que se passa ao meu redor, não consigo mais perceber. Tudo o que consigo focar agora é nessa pedra, seu brilho e seu toque. Sinto-me ao mesmo tempo totalmente livre e completamente preso por essa pedra.
Subitamente ouço um barulho, e sinto a dor de um golpe em meu tronco. O impacto recebido me faz cair de lado, e paro de olhar para a pedra em minha mão. Enquanto a dor da pancada começa a aumentar, sinto gritos no fundo da minha cabeça. Fecho os olhos de forma instintiva, e reconheço a voz. É o mestre gritando para que eu solte a pedra imediatamente. Demoro alguns segundos para entender o que está acontecendo, e a que pedra o mestre se refere. Então me lembro do topázio que emitia um brilho azul fortíssimo, e que era gelado como uma pedra de gelo, e tinha a textura da superfície de um rio caudaloso. Olho para minha mão direita e lembro do que estou segurando. Mas por alguma razão não consigo abrir minhas mãos. A dor no meu tronco faz com que eu me lembre da pancada que tomei. Olho em volta e vejo três pessoas que não conheço. Parecem ser aventureiros. Um deles parece ser um mago, tal como o mestre. Começo a bater as asas, para me afastar daquela ameaça imediata. Mas não vou muito longe. Um brutamontes, que deve ser um homem de armas me pega pelo pescoço e me força contra a parede. Na minha mente o mestre diz que eu devo soltar a pedra, e que os aventureiros foram contratados por ele. Não consigo soltar a pedra de jeito nenhum, e sinto um pequeno incômodo por parte do mestre.
Com um certo pesar em sua voz, ele me explica que estou naquela cripta, segurando aquela pedra há 12 anos. E que só agora conseguiu um grupo de aventureiros para resgatar a pedra. Ele agradece o fato de eu ter conseguido ficar guardando a pedra para ele, mas que ela é mais importante do que eu. Minha sina foi determinada. Rapidamente o aventureiro brutamontes segura meu braço afastado do meu corpo, enquanto o terceiro deles agilmente saca um punhal de sua cintura. O corte em meu braço é rápido mas muito dolorido. Minha mão é separada do restante do meu corpo. Rapidamente o mago do grupo o coloca em uma espécie de saco de veludo com runas desenhadas. O brutamontes me solta no chão, e eu posso agonizar com a dor que sinto no meu braço. Os três se retiram da cripta me deixando ali sangrando. Sinto então outro tipo de dor, quando o vínculo que tenho com o mestre é interrompido por vontade dele. Não há nada que eu possa fazer, além de esperar minha morte chegar. Sem o mestre, eu não tenho mais utilidade.
Então escuto uma voz. É o mestre de volta em minha cabeça. Mas não é o mestre. É um mestre melhor. E ele não está distante. Esta dentro de mim. Ele ordena que eu me levante e voe. É o que faço, apesar da minha dor. Percebendo meu sofrimento, este mestre faz com que a dor suma. Sinto um calor enorme no meu corpo. Percebo então que o mestre está dentro de mim. Esse mestre novo tem uma presença gigantesca em minha mente. E conheço em um vislumbre suas intenções e seus planos. Ele está dentro de mim. Sinto que ele faz parte de minha essência. Magicamente meu ferimento é cicatrizado na hora. E sinto que chegou a hora de atender um mestre melhor do que eu tinha. Ele me orienta e saio daquela tumba, procurando os túneis inferiores da cripta. Vamos procurar passagens e portais. E talvez minha vida tenha uma importância maior daqui para frente. Mas por hora, vou continuar procurando pelo que o mestre deseja, pois é para isso que fui feito.